Jango, um presidente diferente

Posted By on nov 10, 2009 | 2 comments


 

 

Em uma longa lista de presidentes, João Goulart merece destaque e uma análise à parte, não apenas por ter sido deposto pelo Golpe de 64, mas por algumas peculiaridades de sua história política que contribuíram para essa deposição.

Jango era um bem nascido. Filho de fazendeiro com forte influência política, Jango se formou em Direito e era, antes de tudo, um latifundiário, um burguês entendedor de gados e fazendas. Entrou na política levado por Getúlio, um ditador interessado pelo povo, mas ainda assim simpatizante da direita. Porém um dia Jango seria deposto acusado de comunismo.

O caso de Jango nos faz pensar sobre os julgamentos apressados. A tal luta do bem contra o mal, representada por pobres contra ricos esconde um preconceito e uma preguiça de se analisar indivíduos. Nem sempre a esquerda é “pelo povo”, como foi o caso de Stalin. Nem sempre a direita é pela elite, caso de Getúlio. E o que define a divisão das duas orientações fica um pouco vago.

Jango era um latifundiário, portanto alguém de confiança para as elites. Mas ele surpreendeu a própria classe quando se revelou um humanista, ainda quando assumiu o Ministério do Trabalho, de Getulio, em 1953. Segundo Hugo de Faria “Jango no ministério foi uma revolução, foi uma avalanche de novidades, de humanismo, de popularidade e de paternalismo também (João Goulart: entre a memória e a história, Marieta de Moraes Ferreira)”. Uma incógnita, como foi chamado na época.

Mas seu trabalho durou apenas oito meses. Porque Ministro do Trabalho não dialoga com sindicalista. Isso não pode. Quando seu Ministério encaminhou uma proposta de participação de sindicalistas na administração das autarquias, foi o limite. Passou a ser responsabilizado pela crescente influência desses “agitadores profissionais” e de fomentar greves. A desculpa necessária para derrubá-lo veio com o apoio de Jango ao aumento do salário mínimo, o que foi intolerável para as classes produtoras. “A saída de Goulart foi motivada por uma ação militar, que não se concretizou com a saída de tanques e canhões, mas numa tremenda pressão junto ao presidente Vargas. Toda essa movimentação teve o objetivo de parar aquilo que Goulart queria fazer. Se tivesse continuado no Ministério, teria conseguido estender a proteção ao trabalhador do campo (…); teria conseguido uma melhor proteção ao empregado doméstico”.

Sua rápida passagem pelo Ministério foi suficiente para que ele ganhasse muitos inimigos. Além das forças armadas e da alta burguesia, Jango arrumou problemas com quem não se mexe: a imprensa, no papel de Carlos Lacerda. Foi dessa época a divulgação da tal “Carta Brandi”, lida por Lacerda na TV, que relatava acordos secretos entre Jango e Perón para se implantar uma república sindicalista no Brasil, além da existência de um contrabando de armas argentinas para cá. As investigações levaram a descoberta de que a carta havia sido forjada.

Em seu pedido de demissão ele reafirma sua lealdade a Getúlio e seu distanciamento de “vaidades pessoais e ambições de mando”. Depois, justifica sua briga pelo aumento do salário mínimo, que atingia “níveis de fome” e só interessava a um capitalismo desumano. Mas também nesse documento ele lembra que não era o tal “inimigo do capitalismo”, pois ainda acreditava em “capitalismo honesto, amigo do progresso, de sentido nacionalista.”

Anos depois, já Presidente, Jango volta a se confundir. Em sua imaginação, governante é aquele que busca as melhores soluções para a maioria. Leu em algum lugar que democracia é assim. E foi à prática. Iniciou seu projeto de reforma agrária, protegeu os interesses nacionais do capital estrangeiro e quis ser amigo de gregos e troianos, foi à China e aos EUA, sem essa de alinhamento à esquerda ou à direita. Afinal, a proposta do mundo pós-guerra, não era promover os direitos humanos? Pelo menos, foi o que a ONU disse.

Por isso ele deve ter ficado meio confuso ao ver que falava sozinho. Os poderosos grupos empresariais e políticos não queriam nada disso e o chamaram de “comunista” por falta de outro nome. Em interesses de banqueiros não se mexe. Demorou, mas Jango entendeu.

Mas o que talvez tenha sido seu verdadeiro golpe, não foi o militar, mas o popular. Oposição de poderosos a gente até entende, mas do povo? Em 13 de março, cerca de uma semana antes de ser colocado pra correr, ele apresentava uma proposta revolucionária, nem comunista nem direitista, simplesmente justa, a tão esperada reforma agrária, com a desapropriação de áreas, a redistribuição de renda, a defesa enfim das minorias. E foi aplaudido, ovacionado, apoiado. Dias depois, o golpe: que foi aplaudido, ovacionado, apoiado. Afinal, de que lado o povo estava? Lembrou de Getúlio, também massacrado pela opinião pública, e depois tão chorado em seu velório.

Quando disseram a Jango para resistir, ele já estava muito desanimado. Era confuso esse negócio de povo, direita-esquerda, democracia-ditadura. Olhou o povo de sua janela e teve pena de levá-los a uma resistência que acabaria em Vietnã.

Pegou suas coisas, guardou na mala seus belos planos de reformas sociais e deu um último olhar para aquele país que, afinal, podia ter tido um destino bem melhor.

Rebanho por rebanho, melhor criar gado no Uruguai!

Cigarras Desempregadas

2 Comments

  1. Bacana o texto sobre Jango. Obrigada Alessandra Bourdot por essas linhas.
    :*]

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    • Oi Valéria ,desculpe demorar pra responder. Eu não estava recebendo notificações do WordPress… Mas obrigada! 😉

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