Há quem negue. Virou moda negar. Mas queremos filhos. No mínimo, por curiosidade, pra ver como é. Pode ser um desejo narcisista de espalhar pedaços de si mesmo por aí. Um instinto de perpetuação de seu código genético pra sair um pouco mais vivo dessa. Tem quem diz não gostar de crianças. Mas criança é uma coisa, filho é outra.
Ainda acredito que filhos a gente já nasce desejando. É como uma cavidade oca na alma, meio triste, sentindo falta. É um estoque extra de amor imenso que carregamos de um lado pro outro, fazendo peso. E quando eles chegam esse amor não alivia. Extravasa, desbloqueia, mas não alivia. Amor de filhos cresce junto com os filhos.
Esse amor imenso que realiza também cansa. Irrita, suga, esgota porque é amor demais. Se a gente amasse menos não se importaria se comeu, se tem frio, se caiu (machucou?), se está em perigo (tira a mão da tomada!), se está triste, feliz ou se está quase engolindo um botão. Não dá. Amor imenso é assim.
Mas a paciência não tem filhos e nem é imensa. Por isso a gente grita, por isso dá uns tapas (e se corrói de culpa), por isso a gente se pergunta “por que eu fui ter filhos?”.
Esse amor imenso não é pra qualquer um. Não ter filhos é mais simples, mais prático e bem mais barato, mas é jogar no nível fácil. Viver todos os nossos papéis e ter filhos? Isso é pra profissionais!
Mas a melhor definição sobre o que é ter filhos eu ouvi de um amigo, há alguns anos. Segundo ele, a principal diferença entre ter e não ter filhos era o sono: quem tem filhos não dorme. Nunca mais. “Ah, mas deve ser só nos primeiros meses!”, disse eu, na minha inocência de grávida. “Depois que eles crescem, melhora, não é?”. Meu amigo respondeu, definitivo: “Dá no mesmo. Pequenos, grandes. Quem tem filhos não dorme.” Achei absurdo e assustador.
Eu tenho dois amores imensos. Um de cada sexo. E, de fato, eu nunca mais dormi. “Será que caiu da cama? Teve pesadelo? A febre baixou?”. Diz meu amigo que vai piorar com os anos, mas até lá tem muito café pela frente. Esses pequenos cálices sagrados são tão buscados que, no fim das contas, mesmo com tanta renúncia, tê-los ainda é um bom negócio. Gerando ou terceirizando, nada compensaria passar sem esse amor imenso, tão imenso que nem cabe, tão imenso que dói, tão imenso e não é nosso, não dá pra guardar. Por isso não dormimos, não perdemos tempo. Ter filhos é querer estar acordado pra sempre.
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